domingo, 25 de janeiro de 2009

FERNÃO DE MAGALHÃES

HERÓI OU TRAIDOR?

Fernão de Magalhães, cuja naturalidade ainda não está esclarecida, pois, para uns é natural de Sabrosa, para outros é natural de Ponte da Barca e, para outros ainda, é natural do Porto, terá nascido no ano de 1480. Isto porque quando foi para a Índia, em 1505, tinha vinte e cinco anos. Esteve na Índia, como disse, donde regressou em 1513 e esteve também em África, após aquela data. Participou ou não na tomada de Azamor? Talvez sim! Talvez não! A verdade é que a tomada daquela praça se verificou em Setembro de 1513 e a (má) referência que lhe é feita reporta-se a 1514. Embora alguns escritos lhe queiram atribuir, tanto num como no outro lugar, as honras de grande marinheiro e valente soldado, a verdade é que nas crónicas da época apenas é referido, muito brevemente, em três episódios. Dois por boas acções, na Índia, e uma por maus motivos, em África. Quanto aos feitos na Índia limitam-se a, por duas vezes, juntamente com outros marinheiros, socorrer Francisco Serrão a quem evitaram a morte. Este Francisco Serrão, de quem ficou amigo, foi o descobridor das Ilhas Malucas e quem convenceu Fernão de Magalhães que aquelas ilhas estriam já na parte castelhana resultante da partilha do mundo pelo Tratado de Tordesilhas.

Em África, as únicas coisas que se sabem de Magalhães são:

- Foi ferido por uma lança, numa perna, que o deixou a mancar até ao fim dos seus dias;

- Foi quadrilheiro-mor (fiel depositário), juntamente com outro português, do saque efectuado numa vila próxima de Azamor. Esse saque era constituído, no essencial, por duas mil cabeças de gado. Segundo as crónicas da época, Magalhães e o companheiro, terão vendido aos mouros quatrocentas cabeças do gado à sua guarda. Magalhães, sem licença do Capitão-Mor de Azamor, veio a Portugal e requereu a D. Manuel o aumento da sua moradia em 200 reis (dois tostões). Moradia era a “pensão de alimentos” que o rei pagava a quantos serviam na sua corte e o seu valor era estabelecido em função da nobreza ou fidalguia de cada um ou dos feitos realizados ao serviço do rei. Era um costume de tal modo estabelecido que a nobreza, fidalguia ou valor eram aferidos pelo valor da moradia. Era uma honra que todos disputavam e o seu aumento era sempre motivo de orgulho e vaidade para o beneficiário. Quanto mais alta a moradia maior o conceito que se fazia do seu titular. Porque razão pediu Magalhães este aumento de moradia é uma incógnita. Terá feito alguma acção digna desse aumento? Os relatos da época não referem nada. Terá sido apenas pelo facto de ter sido ferido? É uma hipótese que não pode ser posta de lado. O certo é que D. Manuel, que entretanto soube da sua vinda sem licença e do caso do desvio do gado, recusou o aumento que Magalhães requeria. Este, argumentou que não era verdade e que esse boato fora posto a correr por pessoas invejosas que lhe queriam mal. O rei mandou-o a Azamor e que lhe trouxesse provas de que era inocente daquela acusação. Magalhães foi a Azamor e voltou com as provas da sua inocência, porém, o rei não acreditou nas provas exibidas e manteve a recusa do aumento da moradia. Segundo outra versão da época D. Manuel acederia a um aumento de apenas 100 reis (um tostão) que Magalhães recusou. Magoado e ofendido, Magalhães, que já teria esta ideia a germinar há muito tempo na cabeça, pensou em vingar-se do que ele considerava uma afronta. Desnaturalizou-se, juridicamente, português e dirigiu-se a Castela onde persuadiu a corte castelhana de que as ilhas das especiarias (Ilhas Malucas) estavam situadas na parte castelhana e Portugal estaria nelas por usurpação. Para o provar oferecia-se para chegar até àquelas ilhas navegando por Ocidente, fora dos mares de domínio português. Foram levadas a cabo inúmeras tentativas de o demover daquela empresa que iria, inevitavelmente, lançar a discórdia entre os reinos de Portugal e Castela. Magalhães hesitou mas acabou por falar mais alto a promessa de avultados lucros prometidos pele corte castelhana. Magalhães fez a viagem que acabou por culminar na circum-navegação da terra, mundialmente aclamada. Passou nas Ilhas Malucas, então na posse dos portugueses, mas que a partir daí passaram a ser reivindicadas pelos castelhanos. Portugal não abdicou das ilhas que descobrira e tomara muitos anos antes e esteve por um fio a guerra entre portugueses e castelhanos. Foram necessários redobrados esforços diplomáticos para evitar a guerra entre os dois reis que, por sinal, até eram primos. As relações entre os dois reinos ficaram tensas e só no reinado de D. João III se acalmaram porque este pagou, humilhantemente, uma avultada quantia para continuar na posse daquelas ilhas que afinal se situavam na parte portuguesa.Que Magalhães efectuou um feito extraordinário não resta qualquer dúvida. Que Castela teve motivos para as enormes aclamações que foram feitas, também não resta qualquer dúvida. Que o mundo celebre ainda hoje o feito extraordinário daquela época, tudo bem, mas terá Portugal motivos para se associar a estas manifestações? Não as pode ignorar certamente mas daí até entrar na procissão de enaltecimento vai ainda alguma distância. Magalhães era Português sim senhor, mas um português que cometeu para com a sua pátria o pior dos crimes que se podem cometer – a traição. Se esta traição não tivesse outras consequências para além do lucro pessoal que Magalhães buscava, até seria desculpável a euforia em torno dele. Mas, Magalhães, cometeu conscientemente um crime, o pior dos crimes, sabendo que podia, como quase aconteceu, arrastar Portugal para uma guerra cujas consequências eram imprevisíveis. Por muitos elogios que o mundo lhe faça, Magalhães foi, para Portugal, um traidor que se vendeu pelo ridículo valor de dois tostões.

Vila Real, 21 de Dezembro de 2008.

Amadeu Carvalho

Este artigo baseou-se nas seguintes obras: Grandes Viagens Marítimas de Luís Albuquerque e Francisco Contente Domingos

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